[liberabilismo]

Quarta-feira



Escrevem-se muitos disparates na internet e talvez este texto do Blasfémias - Liberalismo E 25 De Abril - seja apenas mais um deles. Ainda assim, é difícil não ficar incomodado com o maniqueísmo e a baixeza intelectual do que ali se escreve. Em primeiro lugar percebe-se que não é do 25 de Abril que se está a falar, mas de processos de apropriação política de um momento da história já de si bastante mitificado. Em segundo lugar, que sentido faz comparar esse 25 de Abril de há trinta anos com o liberalismo actual, mesmo tolerando o exacerbamento ideológico do texto.

De todos os maniqueísmos, um há que é particularmente insultuoso: O liberalismo exige que o Estado seja responsável e o 25 de Abril debandou irresponsavelmente das antigas colónias, como bem afirmou, na altura, o historiador comunista António José Saraiva, e chamou a isso «descolonização». Em boa verdade e em nome da honestidade intelectual, é bom que se comece a perceber que o drama da descolonização começou no dia em que o regime não aceitou a insustentabilidade de manter o sistema colonial por via de uma guerra que não podia suportar – e pior que tudo, sabia-o desde o início. No dia 25 de Abril de 1974 já o país há muito deixara de ter estrutura para dirigir uma descolonização organizada, como fizeram os ingleses com a Commonwealth. E também daria pano para mangas discutir o modelo Commonwealth como verdadeiro modelo de descolonização, mas isso é outra conversa.

Não faz sentido colocar a História no banco dos réus, como não faz sentido ajuizar sobre processos bastante complexos e intrínsecos às contingências de uma situação histórica particular avaliando-os pelos padrões culturais do presente. Tão fácil como cobarde é moralizar do sofá ou do lado de lá de um teclado de computador a trinta anos de distância.

9 comentários:

  1. Obrigada Daniel. Mil vezes Obrigada Daniel.
    Ja tinha lido aqueles disparates mas n tinha tido coragem de iniciar uma resposta...

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  2. Isso mesmo.
    A distorção e simplificação interesseira é vergonhosa.

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  3. A descolonização não existiu. O que aconteceu foi o abandono puro e simples das populações da Guiné, Angola e Moçambique ao seu destino.
    Primeiro pela II República, impotente e castradora. Logo a seguir pela III República,cujo primeiro objectivo, conseguido com 25 de Abril de 1974, foi terminar com a guerra, custasse o que custasse, doesse a quem doesse, desresponsabilizando-se,de forma muito pouco digna das consequentes guerras civis e inevitável impreperação
    das populações locais para decidirem o seu próprio destino e tomá-lo em mãos.
    Não faz sentido colocar a História no banco dos réus. Maz faz toda a diferença assacar responsabiliaddes aos seus autores.

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  4. Depois da segunda guerra mundial o regime devia ter percebido que o mundo já não era o mesmo e ter feito alguma coisa nos anos 50 (a França tb foi teimosa e teve de desisitir), a casmurrice de Salazar e a falta de coragem de todos os membros do regime só podia ter dado naquilo. Por pior que tenha corrido o processo de descolonização, se quisermos ser honestos temos de aceitar que não se poderia fazer muito melhor dadas as condições.

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  5. Falando numa entrevista na primeira pessoa, Costa Gomes afirmou ter sido chamado por Salazar no início da década de sessenta para realizar um estudo sobre quais os meios necessários para levar a cabo a campanha de guerra nas colónias. Os meios apontados por Costa Gomes como necessários para vencer a guerra foram de tal ordem, e os meios postos à sua disposição tão diminutos, que Costa Gomes terá afirmado ao Salazar que assim seria impossível vencer a guerra.
    Infelizmente não encontro na internet nenhuma referência à entrevista em que Costa Gomes produziu este depoimento. Penso, no entanto, tratar-se de um momento crucial naquilo que viria a ser o destino das colónias. Se o regime não tivesse decidido pôr a cabeça na areia - contra a comunidade internacional - e assumisse que estava condenado a fazer uma progressiva descolonização, talvez se tivesse evitado a dimensão catastrófica das guerras que se seguiram. Assacar a responsabilidade das mesmas à III Répública parece-me por isso maniqueísta. Evidentemente, não pretendo com isto branquear os erros cometidos após o 25 de Abril, apenas perspectivá-los num contexto mais alargado.

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  6. Eu disse: "Não faz sentido colocar a História no banco dos réus. Mas faz toda a diferença assacar responsabiliaddes aos seus autores."
    E quando o disse não assestei baterias na III República exclusivamente. Tanto a I como a II bem como alguma da política externa do período final da Monarquia têm a sua quota parte da responsabilidade.
    Chamar maniqueísta a isso significa uma de duas coisas : ou o desconhecimento do significado da expressão, ou que o julgamento de Nuremberga, por exemplo, teria sido dispensável.

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  7. Já agora, desculpe a insistência, a questão é tanto mais actual como o comprova o texto escrito por Fernando Ka e publicado no Público de 26 de Abril, do qual extraí um trecho que, passe a publicidade, pode ser lido aqui:

    http://portugraal.blogspot.com/2005/04/26-de-abril-de-2005.html

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  8. Caro Afonso, desfaça-se o equívoco, não pretendi chamar de maniqueísta "a isso" a que se referia no seu comentário como uma responsabilidade partilhada. Um abraço e obrigado pela referência.

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