[onde acaba um país]

Quinta-feira



Uma escola deserta é um templo de vidas antigas. São as vidas de um interior que morre esquecido, lá aonde o país acaba.
Onde o estado não existe e os políticos já não prometem, onde economistas não teorizam e sociólogos também não chegam, fora dos modelos e dos planos de papel, existem terras onde já não há país. Onde o calor de um corpo solitário não chega para aquecer o frio de Inverno que entra pelas frestas do mundo lá fora.
Na escola de um menino só, uma voz não chega para calar o som da chuva que cai. Esta é uma vida feita do silêncio da serra e da dureza das pedras. O Tiago não sabe ainda mas talvez venha a descobrir que nasceu numa terra onde não existe país. Ele não conta nas contas da democracia. Ele é o interior esquecido e inútil de um corpo sem futuro e sem sentido.
Talvez o país não sirva para acolher aos sonhos deste menino, sonhos demasiados grandes para um país de gente tão pequena. Talvez o menino da aldeia sonhe com pouco mais que um amigo para brincar nas horas mortas do recreio. Talvez o procure nessas horas passadas ao computador dentro dos mundos do sonho e dos jogos, monitorizado, abandonado, para sempre esquecido.

Porque abandona o país a sua própria terra. O que procura nas montanhas de cimento e nos rios de asfalto, na cidade em movimento erguida contra o silêncio do vento e das serras. Este é um país que foge do seu próprio silêncio e da verdade de si próprio.
Talvez tenhamos deixado de ser país há muito. Talvez tenham passado demasiados séculos da última vez em que nos erguemos num desígnio comum. E também aí, o destino era a partida e não a chegada. Um país de gente em busca de um sol que se põe no mar, lá, onde o país não chega.

Talvez o Tiago sonhe com o regresso dessa gente que partiu. De repente, ei-los todos ao longe voltando a casa, de regresso às aldeias, aos ribeiros e à eira. Ei-los de volta, novos e velhos enchendo a casa do povo, a escola e a taberna. Eis que todas as aldeias se enchem em festa, que cantam e dançam e a vida volta às ruas e às praças do sonho de um menino que sonha, lá onde o país não chega.

2 comentários:

  1. Viva, Daniel
    Tens muita razão, imensa razão:(
    A desertificação não é apenas os aspectos físicos e geográficos. São tb as memórias, a oralidade, o respirar...dos Tiagos e vida que secam.
    Um abraço
    BioTerra

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  2. vamos todos dizer realmente o que interessa à leninha roseta em http://blog.arquitectura.com.pt o site da recandidatura da senhora

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